Um passeio histórico na Manaus na década de 1950

No alvorecer da década de 1950, Manaus era uma cidade que ainda sentia os efeitos da desestruturação de sua economia, que por décadas esteve quase que exclusivamente alicerçada na exportação da borracha. Alguns anos antes, na década de 1940, houve, por um breve período, uma leve recuperação influenciada pela Segunda Guerra Mundial.
Entre 1942 e 1945, o Amazonas se viu inserido nesse conflito. Em 1941, o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico, dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas. Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que fez o país declarar guerra ao Eixo.
O Estado, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados, entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia. Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que passava por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a região Norte. O sistema de trabalho dos seringueiros continuava sendo o mesmo do início do século: em situação de semiescravidão, preso ao aviamento como devedor de um sistema cíclico.
O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber Development Company, órgão criado para administrar os serviços no Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a especulação imobiliária criaram um momento de recuperação e alimentaram a esperança de dirigentes e empresários locais.
Esse pequeno surto de desenvolvimento teve seu fim paralelo ao término da Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto, novas técnicas aperfeiçoaram o uso de borracha sintética. Já não existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara e, com ele, “as esperanças de tirar a região do abismo sem fim do subdesenvolvimento. Os planos de desenvolvimento concebidos nos “Acordos” foram abandonados, as verbas indenizatórias dos trabalhadores foram descaminhadas, as estruturas do atraso não foram rompidas e tudo voltou como dantes. As atenções do governo federal agora são para as regiões Sul-Sudeste, por estas apresentarem mais condições de dinamismo econômico. A Amazônia vai ser mesmo esquecida do resto da nação por muito tempo”.
A Amazônia se viu novamente abandonada. O capital estrangeiro, depois de mais de quatro décadas conseguindo alguns resultados satisfatórios, foi direcionado para mercados mais estáveis. Em socorro à região, a nova Constituição de 1946, no artigo 199, de autoria do deputado federal Leopoldo Péres, instituiu que a União destinaria 3% de sua arrecadação para financiar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Em 1953 foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que visava o desenvolvimento da agricultura, da extração mineral e da pecuária. Por falta de estrutura, principalmente de estradas, o plano não vingou. A construção da estrada Belém-Brasília, em 1958, atraiu o capital de grandes indústrias que passaram a funcionar no Pará.
Manaus, a antiga ‘capital do boom borracha’, chega à década de 1950 em um ritmo mais lento, provinciano pode-se dizer. As arrecadações estadual e municipal ficavam muito abaixo do esperado, sendo insuficientes para sanar dívidas, para o pagamento do funcionalismo público e para abastecer hospitais e escolas. Dia sim, dia não, ocorriam racionamentos de energia elétrica. Em 1957 os bondes elétricos foram desativados, sendo substituídos por ônibus de madeira construídos de diferentes formas por seus proprietários. Na orla do Rio Negro, a Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial destruída em 1967, se expandia.
Mesmo com todos esses problemas, a capital era o local para onde convergiam pessoas do interior, esperançosas em mudar de vida ou fugidas das constantes enchentes, e retirantes nordestinos. Sobre o período e o aumento populacional, Neper Antony, advogado e jornalista, escreveu o seguinte:
“Manaus é uma cidade em crescimento permanente. Principalmente nestes últimos anos, coincidindo com a intensificação do êxodo das populações nordestinas fugindo ao flagelo da seca, seus quadrantes têm aumentado a olhos vistos, empurrando para bem longe as divisas com a mata. A existência dessa população flutuante, ou em fase de agregação definitiva ao meio, força a conquista de novas áreas habitáveis e, por via de consequência, o aparecimento de novos bairros”.
Uma pessoa nascida em 1900 ficaria impressionada com a quantidade de bairros surgidos, com a expansão dos limites da cidade, até então dividida em Centro, Aparecida, Cachoeirinha, Educandos, Colônia Oliveira Machado, São Raimundo e Adrianópolis. Na década de 1950 surgiram os seguintes:
“Em 1950, um contingente chegado dos interiores amazônicos e do Nordeste brasileiro, ultrapassou o bairro dos Educandos criando São Lázaro e Crespo. No ano seguinte, nas imediações do Igarapé do Pancada, um lugar conhecido por Emboca é desmembrado do bairro dos Educandos e oficializado como bairro de Santa Luzia. Ao Norte do bairro de São Francisco, também em 1951,
No alvorecer da década de 1950, Manaus vivia as marcas de um passado que parecia resistir ao presente. A cidade ainda sentia os efeitos da desestruturação de sua economia, que por décadas esteve quase que exclusivamente alicerçada na exportação da borracha. Algumas décadas antes, nos anos 1940, um breve respiro econômico havia sido proporcionado pela Segunda Guerra Mundial. Entre 1942 e 1945, o Amazonas voltou a ter relevância, mas foi um período transitório.
Em 1941, o Japão atacou bases Aliadas no Pacífico, dominando as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima essencial para a indústria bélica, os Aliados voltaram sua atenção para a Amazônia. O Brasil, em resposta, declarou guerra ao Eixo em 1942 após ataques a navios brasileiros por submarinos alemães. Foi então que o Estado do Amazonas entrou em cena como fornecedor estratégico de borracha. Através dos “Acordos de Washington”, o Brasil firmou compromisso com os Estados Unidos para financiar a produção na região.
A estratégia envolveu a migração em massa de nordestinos para os seringais amazônicos. Cerca de 60 mil trabalhadores deixaram o Nordeste assolado pela seca para trabalhar em condições de semiescravidão nos seringais. Presos ao ciclo de dívidas do aviamento, esses trabalhadores encontraram uma realidade dura e um sistema econômico que pouco mudara desde o início do século. A Rubber Development Company, órgão criado pelos Estados Unidos, gerenciava a logística e os investimentos no Amazonas. Em Manaus, a exportação da borracha gerou uma circulação monetária maior, além de investimentos como a construção de um aeroporto e especulação imobiliária, trazendo alguma esperança de recuperação.
Porém, com o fim da Segunda Guerra, a breve fase de desenvolvimento deu lugar ao declínio. O mercado asiático foi retomado e novas técnicas de produção de borracha sintética tornaram o produto amazônico obsoleto. Os planos de desenvolvimento concebidos durante os “Acordos de Washington” foram abandonados, deixando a região novamente em um estado de estagnação. As atenções do governo federal voltaram-se às regiões Sul e Sudeste, consideradas mais dinâmicas economicamente. A Amazônia, por sua vez, foi relegada a um papel secundário na economia nacional.
Apesar disso, a nova Constituição de 1946 trouxe um alento ao destinar 3% da arrecadação nacional ao Plano de Valorização Econômica da Amazônia, proposto pelo deputado federal Leopoldo Péres. Em 1953, foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que buscava impulsionar agricultura, extração mineral e pecuária. No entanto, a falta de infraestrutura adequada, como estradas, inviabilizou muitos desses projetos. A construção da rodovia Belém-Brasília em 1958 atraiu o capital industrial para o Pará, desviando recursos e oportunidades que poderiam beneficiar Manaus.
Ao ingressar na década de 1950, Manaus era uma cidade que se movia em um ritmo lento e provinciano. As arrecadações estadual e municipal eram insuficientes, comprometendo o pagamento de servidores públicos, o abastecimento de hospitais e escolas e até mesmo o fornecimento de energia elétrica, que sofria racionamentos frequentes. Em 1957, os bondes elétricos foram desativados e substituídos por ônibus de madeira, cada qual adaptado pelos proprietários. Na orla do Rio Negro, a Cidade Flutuante crescia como uma grande favela fluvial, até ser destruída em 1967.
Mesmo em meio a tantas dificuldades, Manaus continuava a atrair pessoas do interior do estado, bem como retirantes nordestinos, em busca de melhores condições de vida. Sobre esse crescimento populacional, Neper Antony, advogado e jornalista, destacou: “Manaus é uma cidade em crescimento permanente. Principalmente nestes últimos anos, coincidindo com a intensificação do êxodo das populações nordestinas fugindo ao flagélo da sêca, seus quadrantes têm aumentado à olhos visto, empurrando para bem longe as divisas com a matéria.”
O aumento populacional gerou a expansão da cidade, com novos bairros surgindo ao longo da década. Entre os principais bairros criados na época estavam São Lázaro, Crespo, Santa Luzia, Petrópolis, Santo Antônio e São Jorge. Esses locais surgiram a partir da ocupação desordenada de terrenos e áreas adjacentes a bairros já estabelecidos. A cheia do Rio Negro em 1953, que atingiu 29,69 metros, agravou ainda mais a situação, alagando bairros na orla e forçando mais pessoas a buscarem abrigo na capital.
Em meio a essas adversidades, a vida social de Manaus conservava características de proximidade e interação comunitária. As relações sociais eram marcadas por maior convivência direta entre as diferentes classes, e os espaços públicos desempenhavam um papel central. Balneários, clubes como Atlético Rio Negro, Ideal, Acapulco e Sheik, e cinemas como Odeon, Polytheama e Guarany eram pontos de encontro para famílias, jovens e boêmios. A cidade, com uma população estimada em 139.620 habitantes, mantinha uma rede de contatos que cruzava bairros e promovia interações entre diferentes segmentos sociais.
Tabernas e mercearias, em sua maioria construídas de madeira, ofereciam produtos a granel e mantinham relações de sobrevivência com os clientes através do famoso “fiado”. Igrejas como a Matriz, Aparecida e São Sebastião, bem como as emergentes igrejas protestantes, desempenhavam um papel aglutinador de famílias. A prática de colocar cadeiras na calçada para conversas informais, compartilhar histórias e socializar com vizinhos era comum. As praças públicas, como a de São Sebastião e da Polícia, eram locais de encontro e convivência.
Embora a cidade fosse considerada “pacata”, crimes ocorriam, ainda que em menor escala. Invasões de casas, conhecidas como “ventanismo”, estavam entre os crimes mais comuns. No entanto, o Caso Delmo, ocorrido em 1952, ficou marcado como um evento bárbaro que abalou a tranquilidade da época.
A elite local buscava preservar certo prestígio, reunindo-se em clubes, associações comerciais e repartições públicas. Comerciantes, políticos, médicos, advogados e juízes compunham esse grupo. As classes populares, por sua vez, sobreviviam através de trabalhos em fábricas, olarias, serrarias e empregos informais. Pequenos comerciantes, lavadeiras e vendedores ambulantes eram parte essencial da economia local.
Em 1954, foi fundado o Clube da Madrugada, um marco no movimento cultural regionalista, reunindo artistas e intelectuais. Figuras como Mário Ypiranga Monteiro, Djalma Batista e Samuel Benchimol destacaram-se nas Ciências Humanas e Sociais. Na Literatura, nomes como Luís Bacellar e Arthur Engrácio ganharam notoriedade. As escolas públicas eram as principais instituições de ensino, com destaque para o Colégio Estadual e o Instituto de Educação do Amazonas. O acesso à informação era proporcionado por jornais locais como Jornal do Comércio, A Crítica e Correio de Notícias, bem como pelas rádios Baré, Difusora e Rio Mar.
Apesar das dificuldades econômicas, algumas obras de infraestrutura marcaram a década, como o Hotel Amazonas (1951), a Ponte Presidente Dutra (1951) e a Refinaria de Petróleo Isaac Sabbá (1956-57). Entre 1950 e 1959, Manaus teve uma sucessão de prefeitos, sendo: Raymundo Chaves Ribeiro (1947-1951); Walter Scott da Silva Rayol (1951); Edson Epaminondas de Mello (1951-1952); Álvaro Symphoronio Bandeira de Mello (1952); Jessé de Moura Pinto (1952); Oscar da Costa Rayol (1952-1953); Aluizio Marques Brasil (1953-1955); Raymundo Coqueiro Mendes (1955); Walter Scott da Silva Rayol (1955); Stenio Neves (1955-1956); Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1956-1958); Eurythis Pinto de Souza (1958); Ismael Benigno (1958-1959); Eurythis Pinto de Souza (1959); Lóris Valdetaro Cordovil (1959); Walter Scott da Silva Rayol (1959); e Olavo das Neves de Oliveira Melo (1959-1960)

* Com informações do blog História Inteligente